Por que normalizar o conflito de interesses?
- Patricia Palomo
- 21 de mai.
- 3 min de leitura
A era da transparência que emergiu de pressões sociais por maior clareza das relações interpessoais trouxe à tona um aspecto das interações que sempre existiu mas que até então era velado. O conflito de interesses.
Para que as relações sejam perenes e corretas, é importante desde o primeiro momento tratar daquilo que pode não sair tão bem durante o caminho.
Em praticamente todas as interações humanas, seja na esfera pessoal ou profissional os conflitos de interesses estão presentes. Embora isso aconteça, são poucas as situações que a existência desse tipo de conflito é tratada de forma aberta e transparente.
Apesar da conotação negativa que o conflito de interesse carrega, ele é mais corriqueiro do que percebemos.
A definição de conflito de interesses sugere a existência de uma situação na qual a vontade ou objetivo de dois lados diferentes são incompatíveis.
Então, percebam as seguintes situações corriqueiras que ilustra essa definição.
Um casal assistindo a final do campeonato carioca, sendo que uma das pessoas torce para um dos times e a outra pessoa torce para o time rival na mesma partida. Apenas um dos times será campeão. Nesse caso, a vontade e objetivo dos dois lados são incompatíveis. Alguém sairá feliz e outro sairá triste, necessariamente.
Outro exemplo comum é o mesmo casal decidindo qual programa irão assistir naquele momento, se a novela (desejo de um) ou o jogo (desejo do outro), existindo na casa apenas uma televisão. Nesse caso também o objetivo de cada um é diferente e incompatível. Um não poderá assistir aquilo que deseja sem que o outro abra mão de assistir o que gostaria.
E essas situações ocorrem o tempo todo. São corriqueiras e cotidianas.
Então não é porque não falamos sobre conflitos de interesses que eles não ocorram ou não existam. Pelo contrário. Se o conflito de interesse é inconsciente então as partes estão sendo ingênuas em relação a situação. Agora, se a existência do conflito é consciente e está sendo ignorada, então podemos estar incorrendo em negligência ou até falta de ética por uma das partes.
Negligência ou até falta de ética ocorre se uma das partes estiver deliberadamente utilizando sua vantagem para obter resultado benéfico para si resultante desse conflito.
É comum que numa situação de conflito de interesses, uma das partes possua mais informação, ou maior poder de decisão, maior poder de influência ou alguma outra característica que lhe garanta alguma vantagem sobre a situação.
Porém, a boa notícia é que os efeitos ruins ou desalinhados de muitos conflitos de interesses podem ser mitigados através da construção de um processo de tomada de decisão, que alinhe o interesse das partes.
Voltando aos exemplos corriqueiros, um dos meus preferidos é o conflito de interesses entre irmãos quando enfrentam o desafio de dividir uma comida da qual os dois gostam muito. Naturalmente, se o poder de decisão da divisão e também o poder da escolha forem dados ao mesmo irmão (o que em geral acontece para o mais velho – veja aqui as vantagens dele em relação ao outro irmão: a idade e talvez a força), ele pode ter o viés de partir o sanduíche, no caso, em duas partes desiguais e ficar com a maior. Quem tem irmãos conhece bem essa situação.
Agora, mudanças simples no processo de tomada de decisão entre as partes podem mitigar esse viés através da divisão de atribuição de responsabilidades.
Imagine então a mesma situação, onde para um irmão é atribuída a função e responsabilidade de dividir o sanduíche, e para o outro irmão é atribuída a função e responsabilidade de escolher em primeiro lugar qual das partes divididas ele vai querer para si. Um divide e o outro escolhe, bem simples.
A experiência prática desse processo indica que o irmão responsável por partir o sanduíche o faz de forma milimétrica para que as partes sejam exatamente iguais e para que então, ele não saia prejudicado pela escolha do outro irmão. O resultado em geral, são partes iguais para os dois, independente das vantagens iniciais que um poderia ter sobre o outro.
Veja que uma mudança simples no processo de tomada de decisão, alinhou o resultado de uma situação com potencial conflito de interesse entre as partes. Tornou a relação mais clara e o resultado mais justo para ambos.
Esse tipo de raciocínio e de construção de processos otimizados podem muito bem ser utilizados para gerar um maior alinhamento de interesses nas relações entre as partes envolvidas.
Normalizar a existência do conflito de interesses é o primeiro passo para que possamos passar a discutir suas implicações e como mitiga-los através da transparência de informações sensíveis e de processos decisórios bem desenhados.
Patricia Palomo é economista, mestre em políticas públicas e conselheira de empresas
*Texto originalmente publicado na Coluna Palavra do Gestor do Valor Econômico em 08/03/2022: https://valor.globo.com/financas/coluna/por-que-normalizar-o-conflito-de-interesses.ghtml
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